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Juros negativos entram na pauta dos gestores brasileiros

Lucas Hirata e Ana Paula Ragazzi

Juros negativos não são uma realidade no Brasil, e ninguém aposta que esse fenômeno esteja para acontecer por aqui. Mas o tema, que desafia os modelos de teoria financeira, está cada vez mais presente no dia a dia dos principais gestores do mercado.

Para citar alguns exemplos, as gestoras de recursos Dynamo e Bahia escreveram cartas para explicar o estranho conceito de “rendimentos” abaixo de zero aos seus cotistas. A questão também foi tratada por três estrelas do mercado, o banqueiro André Esteves (BTG Pactual) e os gestores André Jakurski (JGP) e Rodrigo Xavier (SPX) num evento do BTG, em junho.

“A primeira vez que vi na tela taxa de juros negativa, eu tirei foto para guardar e dizer: ‘eu vi juros negativos na minha vida’ ”, brincou Xavier, da SPX, naquela ocasião. Com o passar do tempo, entretanto, ficou mais recorrente ver novidades que não eram nem imaginadas anteriormente — algo que dificulta o trabalho dos gestores, na avaliação de Xavier.

Hoje, o volume de títulos de governos com juros negativos chega a US$ 15 trilhões pelo mundo neste ano, aproximadamente 27% do mercado mundial de bônus soberanos. Três países concentram 70% desses papéis: Japão, Alemanha e França. Mas existem títulos de empresas, como a Louis Vuitton, com retorno negativo, por conta de emissões que têm como referência os títulos de governo.

Isso significa que os investidores que mantiverem o papel em suas carteiras até o vencimento do título vão ganhar menos do que o valor inicial. Para não dizer que o juro zero nunca afetou preços de ativos brasileiros, um bônus da Petrobras, sem liquidez, de curto prazo e em euro, chegou a tocar o território negativo no mercado secundário, como identificou a Dynamo. O dado serve apenas como curiosidade.

O ponto é que, no cenário global, as teses de investimento dos financistas acabam competindo com a tentação de simplesmente gastar o dinheiro hoje, já que ele vai estar valendo menos amanhã. Ou de simplesmente colocar as moedas “debaixo do colchão”.

“O investidor está colocando dinheiro num cofre. Tem tanto receio de perder dinheiro que ele não se importa de deixar o dinheiro no cofre sem ter rendimento nenhum; ou até de pagar um pouco por isso”, diz Fabio Okumura, sócio-fundador da Gauss Capital.

Se o dinheiro ficar em casa, parado, e não houver inflação — ao contrário, se tiver deflação — verá o seu poder aquisitivo aumentar. “É uma maneira pobre de investir, mas mantém o poder de compra”, diz Okumura. “Outra alternativa é o ouro, que é o equivalente a comprar uma moeda que não paga juros, mas serve como reserva de valor”, afirma.

A lógica de quem compra um papel com juro negativo é a expectativa de que essa taxa possa cair ainda mais lá na frente. Mas, como avalia o sócio da Gauss, só uma pessoa com visão muito negativa das coisas tende a comprar títulos com juro negativo.

Estratégia Tio Patinhas

Nos últimos anos, as vendas de cofres explodiram na Suíça, a exemplo do que já havia ocorrido no Japão. Pensando em grandes fortunas, manter dinheiro num cofre envolve custos — de armazenagem, transporte e seguro, entre outros, que não são nada desprezíveis. Ele variam de região para região, mas segundo um estudo do FMI, para grandes quantias, as despesas podem variar entre 0,75% e 2% ao ano.

Na sua carta aos cotistas, a Bahia Asset comentou que esses custos podem ficar ainda maiores se os governos desejarem: basta, por exemplo, pararem de emitir notas de maior valor. “Tal medida elevaria os custos de armazenamento de moeda e permitiria que as taxas de juros pudessem ser ainda menores”, diz a carta.

As explicações por trás deste cenário estão muito ligadas aos esforços dos principais bancos centrais do mundo para enterrar a crise financeira de 2008. As instituições fizeram compras maciças de títulos públicos e derrubaram os juros para menos de zero com o objetivo de estimular a economia. Mais de uma década depois, porém, o ambiente ainda é permeado pela incerteza, e algo segue incentivando o investidor a buscar a segurança dos títulos de países desenvolvidos.

O Brasil está muito longe de enfrentar essa realidade de juros negativos. Mas, a seu modo, o investidor brasileiro também está tendo de lidar com a questão de menos retorno, especialmente aquele que não quer correr risco. Com a Selic na mínima histórica de 5,5%, e a perspectiva de que ela recue até mais um pouco, acabou o período de retorno alto com pouco risco.

“Agora, se você perde 5% na bolsa, precisa deixar o dinheiro por um ano no CDI para recuperar o valor nominal da perda”, exemplifica Okumura. Na época do CDI a 25% ao ano, ele lembra, quando o investidor perdia dinheiro na bolsa, como os 5%, bastava deixar o dinheiro poucos meses no CDI para recuperá-lo. Okumura acrescenta que, sim, os modelos das teorias financeiras ainda funcionam, “mas precisam ser ajustados para essa realidade diferente”.

Ricardo José de Almeida, professor de Finanças do Insper, explica que o retorno de um investimento não é só influenciado pelo juro negativo, mas também pela expectativa de fluxo de caixa futuro do ativo que emite o título. “Se há insistência em manter o juro negativo, o modelo explica isso pela baixa expectativa de fluxo futuro de caixa dos emissores”, afirma Almeida.

Segundo o professor, o modelo é o mesmo, o desafio é saber por qual razão não aumentam as expectativas de fluxo de caixa futuro dos emissores privados. Ou por que o mercado não acredita que o juro negativo seja capaz de reverter a baixa expectativa de lucros futuros dos emissores.

Reportagem recente da agência “Dow Jones Newswires” observou que os bancos centrais talvez tenham que ensinar as pessoas a se comportarem conforme ditam os modelos econômicos. “Em outras palavras, o principal problema dos bancos centrais são as pessoas. Um conjunto crescente de evidências mostra que as pessoas não são tão bem informadas quanto os modelos assumem”, dizia o texto.

O ambiente global de juros extremamente baixos ou negativos também abre um abismo entre os poupadores e os investidores que querem mais rendimento. Quem busca um retorno maior para seus investimentos acaba sendo incentivado a se aventurar em segmentos muito voláteis, mesmo que não tenha um perfil tão agressivo. É como se o investidor saísse da poupança direto para a bolsa ou operações com derivativos.

Nem tanto apetite assim por risco

Na conversa com os colegas no evento do BTG, Jakurski, da JGP, avaliou que, num mundo de juros negativos, “não são mais os ativos que estão subindo, é o dinheiro que está caindo”. Ele alerta, porém, que todo o apetite ao risco que é estimulado pelas taxas baixas pode se exaurir. “As árvores não crescem até o céu. Vai chegar um dia que vai dar uma exaustão.”

O mundo de juro zero, ou nas mínimas, como no Brasil, leva a maioria dos gestores a apostar no mercado de ações. Uma das mais tradicionais gestoras desse segmento no Brasil, a Dynamo, também se debruçou sobre o juro abaixo de zero em conversa recente com os cotistas.

A casa avalia que o cenário vai levar os investidores a tomar mais risco. E as “ações são candidatas naturais”, já que, nos modelos, os juros menores comprimem as taxas de desconto, o que equivale a dizer que reduzem o retorno mínimo de projetos de investimento e o custo da dívida.

Momentos como esse, para a gestora, atraem turistas para o mercado, os “otimistas distraídos”. “Bolhas poderão se formar. Padrões atípicos emergirão. Credores pagando para emprestar dinheiro, startups levantando recursos sem restrições, livros de ofertas várias vezes cobertos, indicadores de risco inertes, investidores insensíveis aos resultados trimestrais”, diz o texto.

Num cenário assim, a Dynamo afirma que alguns poderão questionar se os investidores de valor (“value investors”), como é o caso da gestora, não estarão na berlinda, “perdendo a cancha” para a turma que investe em “crescimento”. “Para nós, não há dicotomia, desde que haja valor no crescimento.”

Fonte: Valor Econômico

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