Instagram vira incubadora de micromarcas
Empresas criam demanda via marketing em redes sociais para só depois desenvolverem produtos
Christopher Mims
BALTIMORE (EUA)
Uma coisa que o economista John Maynard Keynes não previu foi que, em uma economia madura, todo o mundo estaria empregado ou em uma startup que vende colchões ou como podcaster divulgando esses colchões.
Estou brincando, claro, mas existe mais de uma dúzia de marcas de colchões brigando online pela atenção dos consumidores, em todas as mídias imagináveis. Colchões são só a ponta do iceberg.
Onde quer que você olhe, e especialmente no Instagram e Facebook, há uma explosão de diferentes “micromarcas”, de eletrônicos, roupas, cosméticos, mobília e alimentos, que estão buscando públicos com precisão quase sobrenatural. O que torna isso possível é uma combinação entre novas tecnologias e técnicas.
Anunciantes podem testar uma audiência usando uma maquete ou protótipo, antes mesmo que um produto exista, e depois recorrer a fábricas no exterior para produção rápida, enquanto terceirizam todas as funções, do pagamento ao transporte.
A tendência das micromarcas gera mudanças quanto a quem lança produtos, a maneira pela qual eles são bancados, fabricados e anunciados —e até mesmo a maneira pela qual são concebidos, para começar.
Marcas tradicionais como a Gillette e a J. Crew, ou os colchões Tempur Sealy, se veem forçadas, em resposta, a copiar as inovações das micromarcas —das tendências que essas novas empresas identificam aos seus modelos de venda por assinatura e o frete grátis para entregas.
Algumas, como a Serta Simmons, uma fabricante de colchões, optaram por comprar a micromarca concorrente.
Para não ficar de fora, a Amazon lançou uma iniciativa chamada “Our Brands”, na qual marcas que concordam em conceder exclusividade de vendas à companhia recebem ferramentas de rastreamento, apoio de marketing e melhor posicionamento no serviço de varejo da empresa.
“Existe uma ‘pilha de marcas’ emergindo, parecida com a chamada ‘pilha tecnológica’ que a precedeu”, disse Scott Belsky, investidor em startups e vice-presidente de produtos da Adobe.
Ele faz uma referência ao sanduíche de componentes empilhados que permitem o desenvolvimento e a colocação no mercado de um determinado produto. Para compreender a nova pilha de marca que possibilita a explosão das micromarcas, é útil imaginar o lançamento de um produto.
Por isso, recrutei uma turma pequena mas experiente de gestores de micromarcas para formar um conselho consultivo hipotético para minha falsa startup, a Uplift Coffee.
“Cansado do café do passado? Entediado com o processo de preparar seu café matinal? Experimente o Uplift Coffee, o primeiro café engarrafado produzido com o revolucionário processo Warm BrewingTM, e contendo uma infusão de nootropics, ingredientes patenteados que melhoram sua capacidade cerebral!”
O primeiro passo para lançar minha micromarca é encontrar uma imagem publicitária adequada e escrever um pequeno texto de divulgação, e investir algumas centenas, ou milhares, de dólares para veicular um anúncio de teste no Instagram ou Facebook, diz Jesse Horwitz.
Ele é consultor de startups de micromarcas e fundador da Hubble Contacts, uma empresa que vende lentes de contato diretamente ao consumidor, online. Sua empresa arrecadou US$ 73,7 milhões (R$ 272,6 milhões) em capital.
Meu produto nem precisa existir ainda; medir o número de visitantes que meu anúncio recebe me permite estimar a demanda pela minha beberagem.
Testes como esse são essenciais, diz Katya Constantine, presidente-executiva da DigishopGirl Media, uma empresa de marketing online que ajudou a propelir micromarcas como a crosta de pizza Cali’flour ao topo do ranking de vendas da Amazon.
Um dos clientes de Constantine publica anúncios para diversas peças de roupa no Instagram.
Se o anúncio atrair visitas suficientes e se as pré-encomendas forem consideráveis, a produção começa imediatamente em uma fábrica na China, disse ela.
Um dos fatores que facilitaram a ascensão das micromarcas tem algo de perturbador: a maneira pela qual os anunciantes podem direcionar publicidade a nós por meio de complexos algoritmos acionados por inteligência artificial, que nem mesmo as empresas que os desenvolvem compreendem plenamente.
Os anunciantes não estão simplesmente direcionando sua comunicação a pessoas afluentes dos 16 aos 34 anos moradoras em áreas urbanas, mas sim localizando, por meio dos algoritmos de direcionamento, audiências “similares” —pessoas que clicaram em ou adquiriram produtos parecidos.
No passado, quando uma marca tinha publicidade pesada, era um sinal de que os produtos podiam ser comprados repetidamente, com toda confiança.
As micromarcas desconhecidas, no entanto, atraem atenção e constroem confiança de outras maneiras.
Os índices de resposta mais elevados coincidem com marcas que apresentam a qualidade gráfica e os vídeos mais polidos, diz Horwitz.
Também ajuda que os preços baixos e a entrega simplificada encorajem pessoas a tentar novas marcas com mais frequência, acrescenta ela.
Assim que obtivermos pré-encomendas suficientes para o Uplift Coffee —um elixir que tornará quem o consome tão sexy e divertido quanto as pessoas jovens e tatuadas em nosso vídeo de divulgação de 60 segundos —, chega a hora de produzir.
Isso é menos dispendioso e menos difícil do que costumava, porque a automação das fábricas as tornou muito mais flexíveis.
Sistemas computadorizados permitem que linhas de produção sejam alteradas rapidamente de forma que montem produtos diferentes, diz Joe Zembas, gerente sênior de engenharia na J.M. Smucker.
A empresa vende muitos produtos alimentícios produzidos em suas fábricas, e alguns outros cuja produção é terceirizada. Hoje se tornou mais viável economicamente para um fabricante terceirizado produzir um dado produto por apenas alguns dias do mês.
Uma determinada linha de montagem pode produzir dezenas de produtos diferentes em um período de semanas, e o tempo de parada de linha para substituição de produtos é da ordem de alguns minutos, diz Zembas.
Receber pagamentos, administrar estoques e enviar produtos eram tarefas que podiam causar pesadelos. Mas todas essas funções —e praticamente tudo mais que uma empresa produtora de bens industrializados costumava fazer— agora podem ser terceirizadas para diversas companhias, pequenas e grandes, diz Belsky.
Nos Estados Unidos, para o comércio eletrônico como serviço, há a Shopify; para embalagens personalizadas, a Lumi; para processamento e entrega, UPS, Deliverr e muitas outras. Toda essa infraestrutura surgiu como resultado da demanda dos consumidores —especialmente os consumidores jovens, que se comunicam pelo Instagram.
“Os consumidores não querem ir à Macy’s e descobrir marcas lá, hoje em dia”, diz Constantine.
“As pessoas mais jovens ficam em seus feeds [de mídia social] e clicam em coisas e as compram diretamente lá.”
Nem todo o mundo está convencido de que as micromarcas são efetivas —ou de que sejam grande novidade. Antes da internet, marcas de moda e estilo de vida inovadoras surgiam nas quartas capas de revistas ou em shopping centers, como por exemplo a Urban Outfitters e a Hot Topic, diz Tom Morton, vice-presidente de estratégia para os Estados Unidos da agência de publicidade R/GA.
Embora hoje exista um ecossistema maior para novas marcas, o ambiente que torna mais fácil criar uma marca também pode prejudicar seu desenvolvimento sustentável.
“Esses negócios certamente estão em categorias de crescimento, mas os produtos são intercambiáveis. Há um espaço publicitário no Instagram a cada cinco fotos, e basta navegar por lá por dois minutos e você verá quatro startups idênticas oferecendo camisetas”, ele diz.
O futuro das marcas é como tudo mais na internet, onde as coisas grandes crescem mais do que nunca e uma longa cauda de outras opções encontra nichos de mercado.
Se uma marca é especializada demais, pode morrer por falta de audiência. Mas, se uma micromarca atrair seguidores que sentem o impulso de identificação tribal, ela pode terminar deixando de ser “micro”.
Um exemplo: a revista Forbes recentemente avaliou a Kylie Cosmetics, de Kylie Jenner, em US$ 800 milhões (R$ 3 bilhões).
The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci
Fonte: Folha de São Paulo