Empreendedor deve estar pronto para repensar seu negócio
Mudar de rumo ou, no jargão do empreendedorismo, “pivotar”, é uma situação que muitos empresários vivem, não importa quanto capital esteja disponível nem quantas semanas tenham sido dedicadas a um projeto.
Para Ron Shah, fundador da Bizly, que ajuda hotéis a encontrarem ocupantes para suas salas de reunião, a mudança de rumo começou no dia em que ele encontrou seu escritório inundado, em Nova York (EUA), com mais de oito centímetros de água na sala de reuniões.
O foco inicial do empresário, um aplicativo para pessoas que viajam a negócios, não fez sucesso, e ele percebeu que os hotéis tinham muitas salas de reunião sem um meio eficiente de oferecê-las.
Mas e a decisão de abandonar seu primeiro negócio? “Foi devastador”, disse Shah. “Você coloca todo seu suor num projeto e, quando mostra às pessoas, elas rejeitam.”
Com o novo negócio, Shah firmou parceria com 25 hotéis na cidade de Nova York e obteve US$ 1,5 milhão de investidores-anjo, mais US$ 3 milhões de uma rodada inicial de “venture capital” (quando um investidor coloca dinheiro na empresa para que ela cresça rápido).
Após três meses, Shah percebeu que seus melhores clientes eram grandes empresas. “Existe um mercado imenso”, afirma.
Valentina Assenova, que dá aulas de empreendedorismo na Universidade da Pensilvânia (EUA), tem entre seus alunos estudantes que já mudaram de rumo.
Ela diz que qualidades típicas de empreendedores, como paixão, determinação, ímpeto e confiança, podem servir para postergar o momento em que uma mudança se prova inevitável.
“Eles tendem a ter confiança demais”, disse Assenova. “São muito apaixonados e entusiasmados, mas isso pode tirá-los do rumo às vezes, porque os cega quanto às deficiências de seus projetos e a distância entre a ideia e uma execução bem-sucedida.”
Segundo ela, é difícil para os empreendedores perceber que é hora de mudar porque “há relutância em abandonar uma ideia e em aceitar ouvir os clientes sem julgá-los”.
Nicole Harris hoje dirige uma empresa de eventos em Los Angeles, mas começou planejando encontros e pedidos de casamento. Em dois meses, percebeu que seu nicho era estreito demais.
“Um pedido de casamento só acontece uma vez”, diz Harris. “Eu precisava de clientes empresariais, que me chamassem sempre.”
Ela incluiu casamentos e eventos sociais e empresariais. “Isso me dava uma base de clientes maior, já que me expunha a entidades de design e de eventos”, afirma.
Ter um público-alvo maior também aumentou o número de indicações de clientes satisfeitos. Mas mudar de rumo não foi rápido ou fácil.
“Fiquei intimidada, porque o tipo de evento que eu desejava fazer era refinado. Por isso, estudei o mercado e meus concorrentes”, diz.
Usando mídias sociais para acompanhar mentores de empreendedorismo, Harris construiu seu novo negócio.
Agora, “a cada mês temos mais trabalho”, planejando festas para os clientes dos sonhos: celebridades e empresas cujos orçamentos podem passar de US$ 150 mil.
Pum Lefebure, fundadora da agência de branding visual Design Army, em Washington, mudou de rumo e viu a companhia crescer.
Ela e seu marido, Jake, criaram a Design Army em 2003, fazendo projetos para mídia impressa. Hoje, Lefebure trabalha com diversos formatos e tem 20 empregados.
No começo, a empresa prosperou fazendo o design de balanços anuais, logotipos e panfletos, mas, depois de 2005, os contratos começaram a escassear. “Muitas empresas deixaram de produzir seus materiais em papel”, afirma Lefebure. “Tínhamos que descobrir como nos manteríamos relevantes.”
Foi preciso aprender a organizar e dirigir desfiles e vídeos de moda, por exemplo.
Mas a virada também foi desafiadora. “Cometemos erros, muitos deles caros”, diz.
PROPÓSITO
Os empreendedores em geral mudam de rumo porque precisam, não porque querem. A motivação pode ser um recuo na demanda, um concorrente novo ou uma mudança no gosto do consumidor. Ou pode ser algo mais profundo e pessoal.
Foi o caso de Kyle Brost, 35, que já tinha sido dono de uma empresa de limpeza de carpetes e de uma corretora de contratos de frete, mas depois decidiu se dedicar à sua paixão: consultoria e design organizacional.
“Gosto de ajudar as pessoas a mudarem o que estão fazendo”, diz.
No começo, Brost trabalhava com empresas do ranking Fortune 500, o que “era muito empolgante, quando eu estava na casa dos 20 anos”.
Mas o entusiasmo diminuiu quando Brost percebeu que “a conversa era sempre a mesma”.
“Os números variavam, mas o conceito era sempre igual: vamos ganhar mais dinheiro.”
No fim, ele fez uma pergunta a um cliente: “Como as vidas das pessoas mudariam se fizéssemos aquilo? Todo mundo me encarou como se eu fosse um alienígena”, diz.
Aquela reunião foi o ponto de inflexão que o levou a trabalhar com fundações e organizações sem fins lucrativos.
Em maio, ele comprou e se tornou presidente do Spark Policy Institute, em Denver (EUA). O instituto ajuda agências do governo, instituições de caridade e outras organizações sem fins lucrativos a criar estratégias operacionais melhores.
Ele comanda uma equipe de 23 pessoas e está se ajustando a uma nova forma de trabalhar.
“Mudei de rumo quando me tornei um tanto cínico em relação ao foco exclusivo no lucro”, diz Brost. “Muitos de meus clientes se concentram nisso, mas com o aumento dos lucros a vida das pessoas não melhora.”
Segundo o empreendedor, a virada mais importante não foi dirigir uma empresa nova, mas decidir trabalhar partindo de valores diferentes.
Para ele, escolher comprar e dirigir o Spark “foi uma das maiores mudanças de rumo que realizei na vida, e me permitiu fazer o que faço bem”.
Fonte: Folha de SP