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Cenário dinâmico

Roberto Rockmann

Quinze anos depois da adoção de um novo modelo de negócios para o setor elétrico, a expansão da oferta de energia tem sido orientada pelo mercado livre, que desde 2015 mudou de patamar, como resultado da Lei 12.783, que ampliou as tarifas do mercado cativo e embutiu o risco hidrológico para esse segmento. Com isso, quase 6 mil empresas ganharam liberdade para escolher de quem compram energia. Há dez anos, não chegavam a 200.

O avanço coincidiu com a recessão econômica e a queda do consumo no mercado regulado. Resultado: o ambiente de livre contratação tornou-se peça chave para a expansão do sistema. Os contratos, que antes se limitavam de três a cinco anos, ficaram mais longos, superando dez anos. O percentual de energia negociado no mercado livre, que ficava em torno de 20% a 30%, também mudou. Em junho, num leilão de energia solar e eólica, 70% do volume contratado foi no ambiente de livre negociação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No fim de 2018, entrou em vigor a Portaria 514, estabelecendo a redução gradual dos limites de tensão para a migração de consumidores para o mercado livre. Desde 1º de julho, tal barreira foi reduzida de 3 MW para 2,5 MW de carga e, em 1º de janeiro de 2020, esse limite será fixado em 2 MW. Essa foi a primeira mudança de carga em 20 anos da criação do mercado.

Espera-se que, na discussão da modernização do setor, conduzida por um grupo de trabalho criado pelo governo federal, seja examinada a ampliação do mercado livre, que poderia chegar aos consumidores residenciais. Quando foi criado no fim da década de 1990, a ideia era que essa abertura chegasse em 2005, mas o racionamento ocorrido em 2001 alterou os planos.

Tendo visto o nascimento do mercado há 20 anos na superintendência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Edvaldo Santana, hoje na Electra Energy, aponta que atualmente se discutem contratos que somados podem se converter em 2 GW de energia eólica e solar a serem comercializados no mercado livre em dois a três anos. “O mercado livre fará a expansão, o que pode criar a necessidade de ajustes no formato dos leilões de contratação de energia, cujo motor era o ambiente cativo. E a desverticalização no gás natural, como anunciada pelo governo, poderá estimular a expansão das térmicas no mercado livre”, observa Santana.

A maior relevância do ambiente de livre negociação faz com que as geradoras tenham de atuar no mercado associadas a comercializadoras para ofertar lotes customizados. “As geradoras terão de ter empresas com produtos diferentes para atender o mercado livre e os projetos precisarão extrair ainda mais valor para atender esse segmento em que a eficiência é essencial”, observa Fabio Zanfelice, presidente da Votorantim Energia.

O ambiente se tornará mais competitivo ainda com o avanço das grandes petroleiras. A Shell, que atende 3% da demanda de energia do mundo, tem o Brasil como uma de suas prioridades de investimento. A estratégia contempla investimento em fontes renováveis, como eólicas e solares, e gás natural.

Na estratégia de negócios da EDP, uma das primeiras estrangeiras que chegaram com as privatizações no fim da década de 1990, a inovação é central. A ideia é olhar toda a cadeia de valor do setor: geração, transmissão, distribuição, comercialização e serviços. Em cinco anos, a meta é dobrar para 12% da receita total (R$ 2,7 bilhões em 2018) a parcela ligada à comercialização, gestão e serviços. “A tendência é de abertura maior do mercado livre, que poderá chegar às residências em algum momento”, diz o vice-presidente de estratégia, Carlos Andrade.

O empoderamento do consumidor é tendência crescente num momento em que o carro elétrico, as redes inteligentes e a digitalização avançam. A receita no mercado não regulado será essencial para a sobrevivência das concessionárias. “Os serviços e as informações que teremos serão muitos e assim poderemos oferecer um amplo pacote de serviços para o cliente”, afirma Nicola Cotugno, presidente da Enel no Brasil. “O mercado livre está amadurecendo”, diz o presidente da CTG Brasil, Li Yinsheng. Em 2013, cerca de 30% dos contratos da geradora estavam no mercado privado, hoje esse percentual é de 50%.

Bem-sucedido, o processo de amadurecimento fará o mercado mudar de patamar. “As autoridades brasileiras precisam tomar medidas para que no futuro o setor tenha uma organização mais próxima à do mercado financeiro, incluindo uma clearing house para assegurar as operações dos agentes e mitigar riscos de inadimplência, como ocorre em bolsas de valores”, afirma Luiz Barroso, presidente da PSR.

Para isso, será preciso desatar alguns nós. O modelo de sistema de formação de preços tem flutuações de 100% entre uma semana e outra apenas por conta de expectativa de chuvas.

Também será importante reavaliar o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), que funciona como um condomínio para as hidrelétricas, em que os ônus e os bônus (maior ou menor geração em virtude de chuvas ou ocorrências) são compartilhados entre as usinas participantes. O avanço de usinas sem reservatórios e de fontes intermitentes como solar e eólicas e de termelétricas a gás natural mudou a configuração do sistema. “Se isso não for resolvido, dependendo das chuvas, podemos ter problemas anuais que poderiam quebrar empresas”, afirma Rafael Gagliardi, do Demarest Advogados.

Outro destaque nos próximos anos no mercado livre é o gás natural, cujas regulações recentes apontam para a desverticalização do modelo. O Rio de Janeiro reduziu recentemente o volume necessário para os consumidores se tornarem livres em gás natural – de 3 milhões de m3 mensais para 300 mil (no mesmo patamar de São Paulo) – e está trabalhando em normas para que o consumidor livre possa fazer ele próprio o investimento e a desapropriação a fim de se conectar ao gasoduto de transporte. “Temos recebido consultas de agentes de outros Estados interessados em abrir o mercado”, afirma Lucas Tristão, secretário de Desenvolvimento Econômico fluminense. O Estado está de olho não apenas em indústrias, mas em térmicas.

O avanço de fontes intermitentes e a construção de usinas a fio d’água têm ampliado a necessidade de energia de base. As térmicas a gás são uma opção. Junte-se a isso o fato de que o pré-sal terá aumento da produção de gás e de que a região Sudeste concentra grande parte do consumo de energia elétrica do país. “No leilão A-6, houve 13 agentes interessados em cadastrar projetos no Estado, o mercado livre tem muito potencial”, afirma.

Um exemplo é Marlim Azul, uma termelétrica licitada no leilão A-6 de 2017. A intenção é de que pelo menos 10% da energia seja vendida para o mercado livre. As distribuidoras acreditam que isso pode criar uma judicialização.

Maior geradora privada do país, a Engie pagou US$ 8,6 bilhões pela malha de gasodutos da Petrobras no Nordeste, de olho nas oportunidades que se abrem com as térmicas ganhando espaço com o avanço de hidrelétricas a fio d’água e fontes intermitentes e a abertura do mercado.

Hoje 85% do gás está voltado para as indústrias e térmicas. Armazenamento de gás é um dos produtos que podem ser criados no médio prazo e o mercado livre de gás pode ganhar espaço. ” Pode-se pensar que em 2025 consumidores industriais acima de um determinado patamar tenham liberdade para escolher o fornecedor, o que ocorre com o setor elétrico”, diz Emmanuel Delfosse, diretor de gás da Engie.

Fonte: Valor Econômico

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