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Startups ajudam a mudar o perfil do contador tradicional

Danylo Martins

A carreira de contador passa por uma espécie de reinvenção. Com o avanço da automação e da inteligência artificial, atividades repetitivas como lançamento de notas fiscais e conferência de dados passam a ser feitas pelas máquinas. Isso não significa que a profissão vai deixar de existir, o que está em curso é uma mudança no perfil de quem quer atua no mercado contábil.

“Não vamos ter mais aquele contador que ficava sentadinho, fazendo contabilidade manual. Hoje, o profissional é consultado para tomada de decisões com base em um volume grande de informações”, avalia Márcia Santos, coordenadora da graduação em ciências contábeis da Trevisan Escola de Negócios. Competências como análise de dados, resolução de problemas complexos, relacionamento interpessoal e colaboração começam a integrar a formação do contador do futuro. “Os profissionais deixam de ser focados em processos, manutenção, registro e controle de informações para trazer uma visão estratégica para os negócios. E isso é associado a habilidades relacionais e de comunicação”, analisa Wilma Dal Col, diretora do ManpowerGroup.

Adaptar-se a este novo cenário é um desafio. Foi o que fez Adrielle Freitas, 29 anos, diretora técnica da Contabilizei, há dois anos e meio quando foi contratada para trabalhar na startup de contabilidade on-line. No início da carreira, ela atuou por pouco mais de dois anos na área de controladoria da Votorantim. Passou também por uma consultoria de impostos e escritórios contábeis. “Os últimos lugares em que trabalhei tinham salas cheias de caixas de documentos de cinco anos atrás”, conta. “Foi difícil acreditar que poderia fazer os cálculos sem usar Excel.”

Depois de um ano na startup, Adrielle assumiu a coordenação de operações contábeis. Em março, chegou à diretoria técnica e de novos negócios. Para ela, a contabilidade não vai ser extinta. O profissional deixa de ser um entregador de declaração e passa a se preocupar com o desenvolvimento do negócio dos clientes. “Em outras empresas, sempre fui direcionada para cuidar de uma caixinha, por exemplo, impostos. Aqui, olho para tudo com foco na experiência do cliente”, afirma. Criada há cinco anos em Curitiba (PR), a Contabilizei atende hoje mais de 10 mil micro e pequenos empresários.

Para Rafael Caribé, CEO da Agilize, o contador exerce cada vez mais um papel consultivo. “Atividades repetitivas podem ser executadas pela tecnologia porque existe pouca variação entre o cliente A e B. Com isso, sobra tempo para o profissional fazer consultoria, que muitas vezes é negligenciada no dia a dia”, comenta.

A startup de contabilidade on-line começou atendendo pequenos negócios em Salvador (BA), onde foi criada, e hoje tem uma carteira com 6 mil clientes em 15 cidades do país. O plano é superar a marca de 10 mil até o fim deste ano. “Houve um amadurecimento do mercado de contabilidade on-line, fruto de um trabalho forte de educação feito por nós e pelos nossos concorrentes.”

Com uma carreira de 25 anos, o contador Marcelo Oliveira, de 50 anos, decidiu também apostar em uma plataforma de contabilidade on-line. Lançada em 2017, em Teresópolis (RJ), a ContSimples é focada em pequenos negócios. “Hoje estamos com 1.500 empreendedores como clientes, entre freelancers, profissionais liberais, MEIs, microempresas de serviços e comércios”, aponta o fundador e CEO da startup. Para ele, a tecnologia não vai substituir o profissional da contabilidade. A tendência é que o mercado exija maior qualificação dessa mão de obra.

Outro caminho adotado pelos profissionais é ofertar serviços para determinados segmentos, como empresas de tecnologia e startups. Desde a fundação, em 2013, o escritório Syhus Contabilidade, de Campinas (SP), foca sua atuação em negócios de base tecnológica. Em linha com o avanço do ecossistema brasileiro de startups, o escritório cresce, em média, 35% ao ano, segundo o sócio-fundador, Cristiano Freitas, de 31 anos. Com uma equipe de 42 pessoas, a Syhus atende 200 clientes, entre eles, as startups Sympla, Loggi e MaxMilhas. “Cada estágio e aporte recebido por essas empresas exigem mudanças”, afirma.

Quem também decidiu se especializar foi o contador Anderson Hernandes, de 44 anos, sócio-fundador da Tactus Contabilidade. De um escritório de bairro, em São Bernardo do Campo (SP), o negócio evoluiu para o centro da cidade e atualmente atende empresas e profissionais do mercado digital, incluindo e-commerces, produtores de conteúdo, desenvolvedores de aplicativos, blogueiros e youtubers. São mais de 600 clientes, com a meta de atingir 1.000 até o começo do próximo ano.

“Quando percebi que precisava dessa transição, fiz vários cursos, desde tecnologia para o mercado contábil até programas como MBA em gestão de negócios com ênfase em marketing”, conta. Além de liderar uma equipe de 40 pessoas, Hernandes faz palestras sobre marketing contábil e como migrar de um escritório tradicional para um negócio digital.

Na visão de Vinícius Roveda, CEO da Conta Azul, a tecnologia abre espaço para os profissionais explorarem mais as suas capacidades intelectuais. “A visão do contador do futuro é que, acompanhando em tempo real a empresa do cliente, ele consiga ser proativo ao invés de reativo”, observa. Isso inclui, segundo ele, participar do planejamento estratégico das empresas. “A forma como ele vai envolver o cliente e resolver problemas são habilidades importantes para este novo momento”, afirma.

Com cerca de 10 mil escritórios contábeis parceiros, a startup catarinense, que oferece um software de gestão on-line para pequenas empresas, tem investido nos últimos anos em ferramentas, treinamentos e eventos para contadores. No ano passado, a Conta Azul lançou uma plataforma de contabilidade em tempo real. “O contador deixa de gastar 90% do seu tempo digitando notas fiscais ou fazendo lançamentos financeiros e passa a utilizar a mesma plataforma que o cliente”, diz Roveda.

Marcelo Lombardo, CEO da Omie, acredita em uma mudança na percepção dos serviços prestados pelos contadores. “Os empresários tradicionalmente consideram o contador como um mal necessário, mas agora esse profissional começa a ser visto como alguém que pode ajudar no planejamento financeiro, no acompanhamento dos números e das metas da empresa”, diz.

Com 18 mil escritórios contábeis parceiros, a startup montou no ano passado uma plataforma com treinamentos on-line e eventos presenciais para o profissional de contabilidade. Entre os assuntos abordados estão como o contador se torna um consultor e quais as estratégias para escalar os serviços consultivos. “Em sua maioria, os contadores não sabem vender. Essa é a primeira coisa que ensinamos”, diz.

Já a Intuit, empresa desenvolvedora de sistemas de gestão financeira, lançou no começo de junho um sistema on-line para contadores, que inclui gestão de times e clientes no mesmo ambiente virtual onde a gestão financeira é realizada. A ferramenta já é utilizada por profissionais do setor em países como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, França e África do Sul.

 

Fonte: Valor Econômico

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