Buffett recomenda foco na floresta e não em árvores
Nelson Niero
O investidor Warren Buffett pediu aos acionistas, na mensagem publicada no sábado, para “focar na floresta e esquecer as árvores”.
No que pode parecer uma referência à gigantesca baixa contábil anunciada sexta-feira pela Kraft Heinz, que ele controla com a gestora brasileira 3G, Buffett diz que os investidores que acompanham a Berkshire Hathaway, sua empresa de investimentos, às vezes ficam obcecados com detalhes “dos nossos muitos e diversos negócios – nossas ‘árvores’ econômicas”.
Essas análises podem ser “entorpecedoras”, continua, dada a vasta quantidade de “espécimes”, que vão de “galhos a sequóias”. “Algumas de nossas árvores estão doentes e provavelmente não estarão vivas daqui a uma década. Muitas outras, no entanto, vão crescer em tamanho e beleza.”
A Berkshire Hathaway anunciou no sábado que teve prejuízo de US$ 25,4 bilhões no quarto trimestre, devido à baixa na Kraft Heinz e a perdas com mudanças nas regras para contabilização de investimentos.
Buffett continua com a analogia da floresta dizendo que, felizmente, não é necessário avaliar cada árvore individualmente para fazer uma estimativa do valor intrínseco da Berkshire. Ele, então, divide esse negócio – ou floresta – em cinco “bosques” mais importantes.
Quatro bosques, “que são fáceis de entender”, são aglomerados de ativos diversificados como empresas, ações de companhias como American Express, Apple e Coca-Cola (US$ 173 bilhões no fim do ano passado), títulos do Tesouro americano (US$ 112 bilhões) e instrumentos de renda fixa (US$ 20 bilhões). O quinto bosque são as operações na área de seguros, que “agregam muito valor à Berkshire de uma maneira menos óbvia”.
Segundo Buffett, o bosque mais valioso da floresta continua sendo as muitas empresas não ligados à área de seguros que a Berkshire controla (geralmente com 100% e nunca com menos de 80%) – como a BNSF Railway e a Berkshire Hathaway Energy.
Essas subsidiárias lucraram US$ 16,8 bilhões no ano passado. “Quando dizemos ‘lucraram’, aliás, estamos nos referindo ao que sobra depois de todos os impostos, pagamento de juros, remuneração de administradores (seja em dinheiro ou baseada em ações), gastos com reestruturação, depreciação, amortização e despesas administrativas.”
“Esse tipo de lucro está a uma longa distância daquele frequentemente aclamado pelos banqueiros de Wall Street e executivos das empresas. Com demasiada frequência, suas apresentações trazem um ‘Ebitda ajustado’, um medida que redefine ‘lucro’ excluindo uma variedade de custos muito reais”, diz Buffett.
Ele dá um exemplo: gestores às vezes dizem que a remuneração com base em ações não deveria ser considerada uma despesa (“O que mais seria”, pergunta. “Um presente dos acionistas?”). Outro são os custos com reestruturação, que são considerados “não recorrentes”. Mas, lembra ele, reestruturações de um tipo ou de outro são comuns nas empresas – e os acionistas pagam por isso.
“Se você chamar o rabo do cachorro de perna, quantas pernas ele tem?”, escreve, citando uma frase do presidente americano Abraham Lincoln. A resposta é quatro, porque o fato de chamar o rabo de perna não o transforma em uma. “Abe se sentiria solitário em Wall Street”, diz.
Buffett também avisou os acionistas que decidiu abandonar uma tradicional métrica pela qual media seu desempenho desde 1965. Nas últimas décadas, o parágrafo inicial trazia, depois de uma tabela com os resultados dos anos anteriores, a variação percentual no valor contábil por ação da Berkshire. “Está na hora de abandonar essa prática”, escreve Buffett.
Desta vez, o relatório aos acionistas abre com explicações sobre lucro anual, de US$ 4 bilhões, e em seguida critica mudanças nas regras contábeis americanas que estão provocando saltos “violentos e incontroláveis” na última linha do balanço.
Além da perda por causa da Kraft Heinz, a Berkshire registrou durante o ano uma perda de US$ 20,6 bilhões com a redução no valor dos ganhos de capital não realizados com os investimentos da empresa.
“Uma nova regra exige que incluamos esse último item nos resultados. Como enfatizei no relatório anual de 2017, nem o vice-presidente da Berkshire, Charlie Munger, nem eu acreditamos que essa regra seja sensata”, escreve Buffett.
Quanto ao lucro por ação, que cresceu de 0,4% no ano passado, comparado a 23% em 2017, a menor variação desde a crise de 2008, o investidor explica que “a mudança anual no valor contábil da Berkshire é uma métrica que perdeu a relevância que já teve”. Nos próximos balanços, a Berkshire vai focar no valor de mercado, diz, lembrando que os mercados podem ser muito instáveis. “Com o tempo, no entanto, o preço da ação da Berkshire vai proporcionar a melhor medida do desempenho do negócio.”
Fonte: Valor Econômico