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ONGs perdem receita mesmo com elevação de demandas sociais

O Instituto Baccarelli comanda há 23 anos uma premiada orquestra sinfônica e um coral formados por crianças e jovens moradores da favela de Heliópolis, uma das maiores de São Paulo. Com a suspensão das aulas de música e canto de 1.300 alunos, no início da pandemia, professores e colaboradores deixaram oboés e violas de lado para ajudar a distribuir cestas básicas e outras doações que chegavam na comunidade. O instituto também lançou uma campanha de arrecadação, levantando 130 toneladas de alimentos e R$ 240 mil, que foram entregues por meio de vales alimentação.

Mas, enquanto ajudavam a suprir as necessidades das famílias pobres de Heliópolis, os gestores da ONG viram o próprio caixa derreter. “Muitas empresas e pessoas físicas que nos patrocinam passaram a destinar recursos diretamente para ações ligadas à pandemia. Com isso, temos tido dificuldade de ter recurso até para cobrir nosso custo operacional”, afirma o maestro Edilson Ventureli, diretor-executivo do Instituto Baccarelli.

A organização emprega 80 professores e tem 38 colaboradores. Todos tiveram redução de salário e jornada de trabalho.

Cerca de 60% a 70% do orçamento do Baccarelli vem de repasses das empresas via leis de incentivo à cultura, e o restante de patrocínios diretos do setor privado ou de pessoas físicas. Com um orçamento previsto de R$ 12 milhões para este ano, o Baccarelli captou, já quase na metade do ano, apenas R$ 2,8 milhões. “As empresas não têm ambiente nem para nos chamar para conversar sobre patrocínio. Parou tudo”, diz o maestro.

O caso do instituto ilustra o que está acontecendo com a maioria das organizações da sociedade civil (ONGs, institutos, fundações e coletivos) nesta pandemia. Embora tenham um papel estratégico de articular e facilitar a entrega das gordas doações que as empresas estão fazendo para as causas ligadas à covid-19, elas mesmas estão padecendo com a diminuição de suas atividades principais e entrada de receita. Segundo uma pesquisa coordenada pelas consultorias Mobiliza e Reos Partners, e co-financiada pela Fundação Tide Setúbal, Fundação Laudes, Instituto ACP, Instituto Humanize, Instituto Ibirapitanga, Instituto Sabin e Ambev, 73% das organizações disseram que tiveram queda na captação de recursos este ano e 87% tiveram todas ou parte de suas atividades principais interrompidas ou suspensas. Em 33% houve demissões ou redução de salários e jornada de trabalho e 44% registraram perda de voluntários ativos. Alem disso, 40% dos que ficaram reportaram aumento do estresse e sobrecarga de trabalho.

A pesquisa ouviu 1.760 representantes de organizações em todas as regiões do país, entre 18 e 31 maio. O estudo combinou a metodologia quantitativa, por meio de questionário on-line, e fez 15 entrevistas qualitativas para aprofundar a compreensão dos dados.

“É uma contradição, pois ao mesmo tempo em que o trabalho dessas organizações é essencial e estratégico neste momento, muitas não têm recursos para se manter”, afirma Rodrigo Alvarez, diretor da Mobiliza e um dos idealizadores e coordenadores do estudo.

Segundo Alvarez, as ONGs mais estruturadas sofreram menos, mas as com estruturas operacionais mas frágeis estão em situação crítica. “Cerca de 60% das respondentes preveem aumento da demanda de trabalho no pós-pandemia, porque as vulnerabilidades sociais cobrarão seu preço – para alunos, famílias, desempregados. Antevemos muitas dificuldades adicionais para essas organizações.”

Um lado positivo revelado pela pesquisa é que 87% das organizações disseram que estão correndo para se adaptar ao mundo virtual. “Muitas estão fazendo sua revolução digital agora.”

Para Edilson Ventureli, do Instituto Baccarelli, uma saída emergencial seria ter à mão uma linha de crédito subsidiado para essas emergências. “Nenhum banco estadual ou federal dispõe de linha específica para ONGs. Em tempos normais, exercemos atividades que seriam função do Estado, e mesmo sem ter fins lucrativos, não temos crédito”, afirma.

“A pesquisa reforça algo que defendemos desde o começo da pandemia, que é a importância de se pensarem medidas econômicas de apoio ao setor, que tem grande peso na economia, emprega milhões de pessoas e tem altíssimo impacto social”, diz João Paulo Vergueiro, diretor da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, parceira no estudo.

Fonte: Valor Econômico

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