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Norte catarinense resiste à desindustrialização

Marli Olmos

É raro encontrar no Brasil região que não tenha sofrido com a desindustrialização. Alguns polos, no entanto, permanecem quase intactos. O norte de Santa Catarina não só resguarda uma antiga vocação industrial como tem recebido novos investimentos de grandes empresas. Um conjunto de atributos faz dessa região uma ilha de prosperidade quando comparada a outras. Mesmo assim, para não correr o risco de perder seu legado e enfrentar novos tempos, empresários, área acadêmica e poder público mobilizam-se, agora, para agregar inovação ao perfil econômico do norte catarinense.

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A posição geográfica está entre as virtudes da região. A chamada “grande Joinville” é cortada por duas rodovias federais (BR-101 e BR-280) e por uma ferrovia. Em um raio de 150 quilômetros há cinco portos e três aeroportos. Além disso, a imigração europeia, formada, sobretudo, por alemães, noruegueses e suíços, incorporou um espírito empreendedor que prevaleceu ao longo de gerações. Mas, além disso, até hoje chama a atenção das empresas a qualidade da mão de obra, que começou a ser formada no fim da década de 1950, a partir de modelos de ensino técnico europeus.

As vizinhas Joinville, a maior cidade de Santa Catarina, e Jaraguá do Sul concentram a maior parte das grandes empresas, principalmente do setor metal mecânico. A atividade econômica nessa região manteve dinamismo mesmo no período mais crítico da crise.

Dados do Observatório da Indústria, da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), mostram que o PIB per capita, a preços correntes, passou de R$ 35,85 mil em 2011 para R$ 44,27 mil em 2016 em Joinville e de R$ 44,91 mil para R$ 46,43 mil em Jaraguá do Sul. No mesmo período, em São Bernardo do Campo, município do tradicional polo do ABC paulista e um dos mais afetado pela desindustrialização, o PIB per capita recuou de R$ 60,35 mil para R$ 51,2 mil, em valores correntes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2018, Joinville ficou na quinta colocação entre os municípios com maior saldo de novos postos de trabalho em números absolutos (entre contratações e demissões), segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. Mas o maior mérito é que na sua frente estão apenas capitais bem mais populosas – São Paulo em primeiro lugar, seguida por Belo Horizonte, Brasília e Curitiba.

Os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) estão entre os mais elevados do país – 0,809 em Joinville e 0,803 em Jaraguá dos Sul. A região e seus habitantes transmitem modéstia e simplicidade. Um costume local é começar o expediente bem cedo. Às 6h30 o prefeito de Joinville, Udo Döhler já está no batente, lendo notícias junto com o secretário de Comunicação, Marco Aurélio Braga.

Segundo ele, a indústria expandiu-se em Joinville e região porque os imigrantes logo perceberam que as terras dali – “um manguezal” -, não eram boas para agricultura. Döhler, um empresário da área têxtil, preocupa-se, agora, com a necessidade de buscar inovação. Para ele, somente o conhecimento profundo do que há de novidade no mundo pode preservar os índices que tornaram a região uma referência.

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O prefeito cita o exemplo do setor em que sua empresa atua, que tem sofrido forte concorrência chinesa. “Se quiser comprar uma toalha brasileira tem que ser agora”, diz com bom humor. Fundada pelo bisavô do prefeito, a Döhler é uma grande fabricante de artigos de cama, mesa e banho, que leva o sobrenome da família e tem 137 anos de história. Ele diz que se não se “reinventar”, a região poderá “virar uma Detroit”.

Döhler tem motivos para se preocupar. Embora ainda muito bem posicionada no ranking de municípios que mais criaram vagas de emprego, Joinville, a maior cidade do Estado, perdeu posição em 2018. No ano anterior ficou em primeiro lugar. Além disso, a expansão de vagas tem sido maior no setor de serviços.

A indústria representou a maior parte do PIB de Joinville até 2001, com 45,8%. Depois disso, começou a perder espaço para o setor de serviços. Segundo o Observatório da Fiesc, em 2016, ano da última pesquisa nacional, a fatia industrial ficou em 33,6% e a de serviços, 53,3%. Em jaraguá do Sul, a participação industrial ainda é forte, 44,2%, mas os serviços já começam a crescer – 42,6% em 2016. A fatia da indústria no município chegou a 57% em 2007.

Mas, para alívio do prefeito de Joinville, o movimento rumo à inovação já começou. Há cinco meses, foi inaugurado, na cidade, um parque tecnológico dentro de um parque industrial. Nesse mesmo condomínio, há um ano e meio começou a funcionar uma unidade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “É a primeira experiência de uma universidade dentro de um parque industrial”, afirma o professor de engenharia da UFSC, Rafael Catapan.

Segundo ele, a expectativa é que a proximidade entre empresas, startups e academia crie um ambiente de sinergia e inovação. “Se não oferecermos condições para a criação de um ambiente que estimule pesquisa e inovação, as empresas vão se reinventar em outro lugar”, afirma o secretário de planejamento urbano de Joinville, Danilo Conti.

Inaugurado em 2001, o chamado Perini Business Park é maior parque empresarial da América do Sul, com 2,8 milhões de metros quadrados. O índice de desocupação dos galpões é de 6%. “Um dos menores do segmento”, afirma o diretor de operações do parque, Emerson Edel.

Segundo Edel, nos últimos 18 meses, o número de empresas aumentou de 160 para 220, espalhadas em 300 mil metros quadrados de área construída. O empreendimento pertence ao empresário italiano Fabio Perini, que constrói e aluga escritórios e galpões industriais de acordo com a necessidade do locatário.

Esse parque e outros dois distritos industriais concentram as empresas, o que ajuda a evitar que aconteça em Joinville o mesmo que ocorreu em polos como o ABC paulista, onde o adensamento urbano em torno de antigas fábricas afugentou parte das empresas e inviabilizou alguns investimentos para expansão. Segundo Conti, a administração municipal iniciou um programa de aumento progressivo de valores de IPTU. “É uma forma de estimular empreendimentos em áreas vazias”, afirma.

Um edifício moderno, com ambiente interativo, onde recém começam a funcionar escritórios de startups e entidades de classe, entre outros, no meio do parque industrial, marca a nova fase. A universidade fica ao lado desse prédio, chamado Ágora. Essa unidade da UFSC oferece cursos de engenharia, todos voltados à mobilidade – engenharia aeroespacial, naval, automotiva, transporte e logística, infraestrutura, mecatrônica e o primeiro curso de engenharia ferroviária e metroviária do país.

A Whirlpool mantém parceria com a UFSC há mais de 30 anos e com outras duas – Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e Universidade para a Vida (Univille) há dez. Das 527 patentes da Whirlpool depositadas no Brasil 70% saíram de Joinville. A Embraco e a UFSC também trabalham juntas há 37 anos.

Mas os desafios da região não se limitam à inovação. Problemas logísticos, segundo os empresários, podem anular as vantagens da infraestrutura portuária “Para que isso continue funcionando é preciso melhorar a logística e acelerar as obras de duplicação de rodovias, que andam a passo de tartaruga”, afirma o presidente da Fiesc, Mario Cezar de Aguiar, que é de Joinville e mora em Florianópolis. Há menos de duas semanas, foram liberados os primeiros dois quilômetros de duplicação da BR-470, uma das principais vias de ligação da região Sul.

Para Aguiar, é uma “questão de justiça com a região” garantir que a logística funcione bem. Todo visitante facilmente percebe como polo do norte catarinense se diversificou. Entre as veteranas do setor metal-mecânico, como Embraco, fabricante de compressores ou Fundição Tupy, aparecem novatas como Siemens, – que instalou ali uma fábrica de equipamentos de exames por imagens, como tomógrafos -, a Totvs, fabricante brasileira de softwares, a canadense de autopeças Magna, que fornece para a fábrica de carros da BMW em Araquari, na mesma região, e Allflex, líder mundial na fabricação de brincos para identificação de bovinos.

Fonte: Valor Econômico

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