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Mulheres no comando melhoram nível de governança

Letícia Arcoverde

Empresas com presença feminina no alto escalão e no conselho de administração apresentam níveis mais altos de governança corporativa e de responsabilidade social e ambiental, segundo uma análise de estudos acadêmicos promovida pela International Finance Corporation, do Banco Mundial, e conduzida por professores brasileiros.

A pesquisa mapeou 70 estudos publicados em revistas acadêmicas entre 2008 e 2017, produzidos em diversos países, que observam a relação entre o desempenho das empresas e a presença de mulheres nos níveis hierárquicos mais altos de empresas. Duas relações surgiram do material analisado, segundo os autores. Em primeiro lugar, ter mais mulheres em posições de liderança leva a resultados melhores nas áreas de governança corporativa e de responsabilidade social e ambiental, com uma conexão mais forte quando a presença feminina passa dos 30% em conselhos de administração.

Além disso, essas companhias apresentam desempenho melhor em métricas como controles internos, redução de riscos de fraude e engajamento dos stakeholders. Elas também têm, de forma geral, ambientes de trabalho mais positivos e reputação de marca mais forte.

O artigo foi assinado por Alexandre di Miceli, professor da Fundação Escola de Comércio Alvares Penteado (Fecap), e Angela Donnagio, professora da Facamp, ambos sócios fundadores da consultoria Direzione. Angela explica que o foco no desempenho da empresa em termos de governança e responsabilidade social e ambiental foi escolhido para complementar estudos que apontam que há relação entre os resultados financeiros e a presença de mulheres nos níveis de tomada de decisão.

“O conceito de performance da empresa tem que ir muito além do desempenho financeiro”, diz. Para ela, casos como o rompimento de barragem da Vale em Brumadinho são exemplos claros disso. “A gente não está dizendo que não é importante ter retorno para o acionista, mas se o foco é só esse, as pessoas vão correr atrás de números e vão se esquecer do impacto das suas ações.”

Segundo Angela, os resultados que medem o impacto da presença feminina na responsabilidade social, ambiental e de governança são ainda mais fortes do que os obtidos em estudos que medem apenas desempenho financeiro, embora sejam relações de correlação e não necessariamente causalidade. Uma empresa pode ter mais mulheres no conselho e, por isso, ter desempenho melhor nas áreas de governança, ou pode ter mais mulheres no conselho justamente porque já apresenta uma preocupação maior com esses temas. De qualquer forma, diz Angela, esse é um fator que pode ser observado por investidores na hora de tomar decisões. “Claramente é bom para os negócios e cada vez mais os investidores têm que olhar para isso”, diz.

A análise não encontrou estudos realizados no Brasil, mas inclui pesquisas feitas em economias em desenvolvimento como China e Malásia. Angela diz que no geral os resultados podem ser aplicados ao Brasil, com algumas considerações – por exemplo, o conceito de diversidade de gênero em um país com racismo estrutural como o Brasil também precisa incluir diversidade racial. “O Brasil está sedento por empresas responsáveis, e não vergonhas nacionais”, diz.

Outro estudo de Angela analisou a participação de mulheres no alto escalão e em conselhos de 837 empresas de capital aberto no Brasil entre 1997 e 2012. Os números apontavam pouca evolução no período, com cerca de 8% das posições ocupadas por executivas. A professora está no processo de atualizar os dados e já adianta que os resultados preliminares continuam a apontar estagnação.

Dados mais recentes da consultoria Enlight com as 134 empresas listadas no Novo Mercado, nível mais alto de governança da B3, apontaram que 70% das companhias não tinham nenhuma mulher no conselho de administração em 2017. No geral, elas ocuparam 6% das posições, mesmo número do ano anterior e ainda menor do que o encontrado por Angela na década passada.

A proporção de 30% é vista como mínimo para que os benefícios da presença de diversidade em conselhos passem a fazer efeito, porque é quando a presença das conselheiras se normaliza e a dinâmica do colegiado realmente se modifica. Um estudo americano do ano passado apontou que quando o colegiado tem apenas uma mulher, ela acaba sendo vista de maneira simbólica como uma “representante” do seu grupo, o que impede mudanças na cultura do conselho. Com duas mulheres no grupo, elas ainda são vistas como representantes de interesses minoritários.

Em ambos os casos, o gênero é uma questão visível demais para permitir que as conselheiras possam contribuir da mesma forma que os demais membros do conselho. “Você precisa de pelo menos três pessoas para elas deixarem de ser vistas como representação da sua categoria e passarem a ser consideradas membros do conselho como os outros”, diz Angela.

Este mês foi lançado no Brasil um capítulo do 30% Club, movimento que começou no Reino Unido em 2010 e que defende que empresas se comprometam voluntariamente a ter pelo menos 30% dos assentos de conselhos de administração ocupados por mulheres.

Fonte: Valor Econômico

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