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Executivos demitidos por conta da covid-19 buscam recolocação

Beatriz Oliveira, que até abril era diretora geral para a AL de uma empresa da área de eventos, agora quer trocar de área — Foto: Claudio Belli/Valor

Beatriz Oliveira, que até abril era diretora geral para a AL de uma empresa da área de eventos, agora quer trocar de área.

Abril foi o último mês de Beatriz Oliveira, 37 anos, como diretora geral para a América Latina da Eventbrite, plataforma de organização de eventos. Presente em mais de 100 países, o grupo chegou a realizar 3,9 milhões de promoções em 2018. No Brasil, acaba de demitir seus 40 funcionários.

“Com a pandemia, o setor parou”, explica a executiva, que estava na companhia há dois anos, depois de atuar em corporações como Oracle e IBM. Agora, desempregada, começa a planejar a volta ao mercado. “Se puder escolher, continuo no ramo das startups, mais abertas a novos perfis profissionais e com modelos de gestão colaborativos”. Em uma semana, ela foi sondada por quatro empresas e três headhunters.

A ex-diretora faz parte de um contingente de profissionais que, diante dos desdobramentos da covid-19, se viram sem trabalho, tiveram de migrar para setores mais estáveis da economia, trocar de cargo ou aceitar reduções de salários. Em poucos dias, muitos foram obrigados a acionar um “plano B” diante de cenários inéditos de empregabilidade.

Somente no segmento de Beatriz, de marketing e gerenciamento de eventos, estima-se que milhares de empregos diretos e indiretos já foram impactados pela necessidade de isolamento social. Um estudo da Associação de Marketing Promocional (Ampro) realizado com 37 agências do setor entre 30 de março e 6 de abril indica que 27% delas enfrentavam o cancelamento de atividades. Entre as que planejavam fazer cortes, 35,3% afirmaram que a redução será de até 25% do quadro, 14,7% podem desligar até 50% e 5,9% pensam em dispensar mais da metade das equipes.

Rafael Souto, CEO da Produtive, consultoria especializada em recolocação de executivos, afirma que ainda é cedo para mensurar o efeito completo da crise no mercado de trabalho, mas os primeiros sinais de transformação já aparecem. “Estamos em uma primeira onda de mudanças”, diz. Entre os clientes que procuram os serviços da consultoria, houve um aumento de 20% no volume de profissionais demitidos, ante o período pré-pandemia, e de 15% na quantidade de empregados em setores impactados, como turismo e varejo, que querem orientações sobre o futuro de suas carreiras.

“São caminhos que não podem ser alcançados com apenas um passo”, diz. Muitas vezes é necessário ingressar em uma empresa por conta de competências do currículo e, em uma segunda recolocação, buscar a posição realmente desejada. “É o que chamamos de estratégia em dois movimentos, para viabilizar um projeto de mudança.” Souto lembra que profissionais experientes têm mais condições de emplacar novos planos agora, até sem um crachá no pescoço. “Consultoria e empreendedorismo entram nesse contexto”, avisa.

É o caso de Fernando Augusto da Silva, 35 anos, demitido recentemente de uma multinacional do setor automotivo. Gerente de serviços, liderava uma equipe de 50 pessoas e era responsável por atividades que envolviam faturamento e produção. “Devido à covid-19, a direção teve de fazer uma redução abrupta de despesas”, diz o executivo, que tinha 14 anos de empresa. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a paralisação do comércio e fábricas na segunda quinzena de março já resultou em uma queda de quase 90% nas atividades do setor.

Em casa, Silva atualiza leituras sobre empreendedorismo e acompanha lives de economistas e CEOs. Também já procurou uma consultoria de recolocação de carreira. “Quero me adaptar o mais rápido possível a esse novo ‘normal’ do mercado”, diz o executivo, dono de um diploma de MBA em gestão comercial.  O principal interesse agora é empreender, diz. Uma das ideias é atuar com consultoria na área automotiva. “Mas também posso mudar totalmente de setor.”

Ao planejar um novo direcionamento profissional, mesmo em um cenário incerto, é preciso olhar para o médio e longo prazo, aconselha Filippe Apolo, sócio-fundador da consultoria Fox Human Capital. Para ele, a orientação vale também para quem não perdeu o emprego, mas observa rápidas mudanças de cargos dentro de organizações afetadas pela crise.

De acordo com levantamento feito pela Fox Human Capital na primeira semana de abril com 200 gestores de empresas de diversos setores, 38,7% do total não pretendiam demitir durante a pandemia e 69% trabalhavam com o recurso de antecipar férias.  O custo de dispensar e depois remontar uma estrutura em uma possível retomada está sendo considerado, afirma. Apolo também identificou uma grande indústria de capital aberto que reduziu o salário dos executivos em 50%, enquanto a média gerência e posições operacionais tiveram os holerites cortados em 30% e 20%, respectivamente.

O consultor afirma que houve casos de promoção, por conta de necessidades decorrentes da quarentena, mas que são exemplos raros. “Profissionais produtivos e resilientes ganharam evidência nesse momento”, diz. Ter atitudes intraempreendedoras [que executam projetos inovadores no ambiente de trabalho] pode contar pontos, explica.

Na SumUp, fintech de máquinas de cartão para micro e pequenos negócios, especialmente atingidos pelo isolamento social, a dança de cadeiras começou na segunda metade de março. O objetivo é realocar funcionários de diferentes áreas para projetos vitais ao negócio, explica Paula Fonseca, 33. A executiva deixou a chefia de aquisições de talentos e assumiu a gerência sênior para projetos de finanças.

A área é um dos principais pilares do plano de resposta da SumUp à crise causada pelo coronavírus, diz. “Queremos que os clientes consigam receber de uma só vez as vendas que fazem no crédito parcelado”, explica. “Para muitos, é uma questão de sobrevivência.”

De acordo com a gerente, há dois anos na companhia, o time de finanças tinha estrutura técnica para tocar o projeto, mas faltava alguém que alinhasse estratégias. A SumUp conta com dois mil funcionários e operações em 31 países – 900 estão no Brasil. “Topei o desafio porque poderia exercitar habilidades de negociação e de resolução de problemas.”

A experiência no novo departamento está rendendo aprendizados, assegura. “Se e quando eu regressar para a área de recrutamento, voltarei com outra mentalidade”, diz Paula. “Entendi que a carreira não precisa evoluir de forma linear.”

 

Fonte: Valor Econômico

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