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Escolas querem formar advogados para o futuro

Danylo Martins

Vitor Morais de Andrade, coordenador do curso de direito da PUC-SP, diz que demandas simples ficarão com as máquinas.

Vitor Morais de Andrade, coordenador do curso de direito da PUC-SP, diz que demandas simples ficarão com as máquinas.

A tecnologia está começando a mudar a rotina dos escritórios de direito e de departamentos jurídicos de empresas. Com o avanço da automação e da inteligência artificial, os advogados precisam se reinventar. Tarefas mais burocráticas como elaboração de documentos e acompanhamento de processos passam das mãos dos profissionais para as máquinas. Para atender às transformações desse mercado, muitas escolas de direito estão começando a incrementar o currículo pensando na formação do advogado do futuro.

A capacidade de leitura de dados, competência que sempre foi importante para os advogados, passa a ser cada vez mais valorizada. “Apesar de não ser uma novidade, é uma habilidade fundamental. Inclui a construção de quadros nos quais dados como tempo de processo, teses jurídicas, cláusulas contratuais, entre outros, vão ser organizados e objeto de uma análise estratégica”, avalia Alexandre Pacheco da Silva, professor da escola de direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV Direito SP).

Para Vitor Morais de Andrade, coordenador do curso de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio do escritório LTSA Advogados, grandes empresas e startups também têm exigido advogados que consigam enxergar as mudanças que a tecnologia está gerando nos negócios. “Questões e demandas simples estão sendo resolvidas por máquinas, sem necessidade de um profissional. Só vai ter lugar no mercado aqueles profissionais que fizerem efetivamente a diferença, e não forem só reprodutores do conteúdo ao qual todo mundo tem acesso”, comenta.

Diante de tantas mudanças, as escolas de direito começam a repensar suas grades curriculares. A FGV Direito SP fez alterações recentes no curso de graduação e incluiu uma disciplina em que os alunos criam suas próprias plataformas de automação de documentos, conta Pacheco. Outra iniciativa foi trabalhar a inteligência artificial com o desenvolvimento de chatbots. O professor cita, ainda, a criação de cursos de proteção de dados, direito digital, propriedade intelectual e empreendedorismo, todos voltados aos alunos de graduação.

Já a faculdade de direito da Universidade de São Paulo (USP) fez uma mudança curricular em 2017, que começou a ser implantada no ano passado. “A reforma procura modernizar o curso e valorizar as competências fundamentais”, explica Maria Paula Dallari Bucci, presidente da comissão de graduação. Uma das alterações foi diminuir o número de matérias obrigatórias e permitir que 30% sejam disciplinas optativas. Ao todo, o aluno tem acesso a mais de 100 optativas, incluindo direito e políticas públicas, arbitragem, comércio eletrônico, propriedade intelectual, entre outras.

A PUC-SP também tem se adaptado. O coordenador do curso de direito, Vitor Morais de Andrade, cita a criação de disciplinas para atender às demandas da atual sociedade, incluindo matérias como direito cibernético, direito internacional e arbitragem. “Temos feito alterações tanto na formação técnico-jurídica quanto na formação prática-profissional”, diz.

Habilidades de programação, visão analítica, aplicação de estatística no direito (jurimetria) e agilidade também devem fazer parte do perfil dos profissionais, exemplifica o advogado Bruno Feigelson, presidente da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L). Para ele, o mercado vai exigir profissionais mais ágeis, criativos, com cabeça aberta e neofílicos, com interesse pelo novo, e não neofóbicos, que têm medo da inovação. “Não dá mais para imaginar um advogado falando latim.”

As startups que oferecem soluções para o mercado jurídico, conhecidas como lawtechs ou legaltechs, também têm desafiado os profissionais a inovar. Hoje, o Brasil tem cerca de 150 empresas novatas no ramo. Uma delas é a Sem Processo, criada por Bruno Feigelson em 2016. A plataforma ajuda a destravar processos judiciais. “Atualmente, o país tem 100 milhões de processos judiciais, e muitos deles poderiam ter acordo”, diz. Com mais de 100 empresas como clientes, a startup fatura caso o acordo seja celebrado. Em 2018, por exemplo, fechou mais de R$ 1 bilhão em acordos.

Os robôs só não vão conseguir substituir os seres humanos na empatia, observa Antônio Maia, diretor da startup TikalTech. Advogado há 31 anos, Maia trabalhou a maior parte de sua trajetória profissional atendendo grandes empresas no setor de infraestrutura. Nos últimos anos, resolveu migrar para a tecnologia. Fundou a TikalTech, startup que oferece produtos para advogados, pessoas físicas e escritórios de pequeno porte. Um deles é chamado “Seu Processo” e permite que qualquer pessoa consulte informações sobre andamento de processos. A startup tem cerca de 500 mil usuários.

O amadurecimento do ecossistema brasileiro de startups também tem impulsionado a criação de atendimento especializado às empresas novatas. Em 2017, o BNZ – escritório com quase 30 anos de história – montou um braço focado em startups. “O empreendedor costuma ter dois problemas: não possui recursos suficientes para contratar serviço de advocacia, principalmente na fase inicial; e a maior parte dos advogados não sabe o que é startup”, diz Arthur Braga Nascimento, sócio do escritório. O BNZ Innovation (que começou como BNZ for Startups) já atendeu mais de 100 startups e passa a oferecer neste ano serviços para fundos venture capital, corporate venture e investidores-anjos.

Fonte: Valor Econômico

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