Notícias

Crise da Kraft Heinz põe ‘modelo 3G’ em xeque

Cibelle Bouças

Bernardo Hees, presidente da Kraft Heinz: "Estávamos excessivamente otimistas em fornecer previsões de economia de custos que não se concretizaram."

Bernardo Hees, presidente da Kraft Heinz: “Estávamos excessivamente otimistas em fornecer previsões de economia de custos que não se concretizaram.”

 

A Kraft Heinz, controlada pela 3G Capital e pelo megainvestidor Warren Buffett, vive sua maior crise desde a fusão da Kraft Foods com a Heinz, em 2015. A companhia está sendo investigada pela Securities and Exchange Commission (SEC), órgão de controle do mercado de capitais nos Estados Unidos; fez uma baixa contábil de US$ 15,4 bilhões no balanço do ano passado, que trouxe resultados ruins; e ainda anunciou uma projeção fraca para este ano.

O impacto desse quadro não se limitou ao desempenho da Kraft Heinz na bolsa de valores – na sexta-feira, as ações da companhia na Nasdaq caíram 27,46%, para US$ 34,95, e ela perdeu US$ 16,1 bilhões em valor de mercado – vale hoje US$ 42,62 bilhões.

Fundos que têm ações da Kraft Heinz em suas carteiras e outras empresas de alimentos caíram nas bolsas americanas.

Até mesmo o modelo de gestão da 3G, que tem entre seus sócios os brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, está sendo questionado por analistas e investidores.

O First Trust Consumer Staples, fundo com mais ações da Kraft Heinz, registrou queda de 2,23% na sexta-feira, para US$ 44,68 por ação. Entre as indústrias de alimentos, a Campbell registrou queda de 7,36%, para US$ 32,83; a Kellogg recuou 2,74%, para US$ 56,73; e a General Mills caiu 0,79%, para US$ 46,58.

A Kraft Heinz informou que recebeu uma intimação da SEC em outubro de 2018, associada a uma investigação na área de compras da companhia, mais especificamente sobre as políticas contábeis, procedimentos e controles internos da empresa relacionados à área de compras. A investigação envolve acordos formais, acordos paralelos e alterações nos contratos com fornecedores.

Após receber a solicitação de documentos pela SEC, a companhia iniciou uma investigação na área de compras. Como conclusão dessa investigação, registrou um aumento de US$ 25 milhões nos custos dos produtos vendidos. O valor refere-se à correção de valores contabilizados em 2017 e 2018. A Kraft Heinz também informou que está em processo de implementar melhorias em seus controles internos para mitigar a probabilidade de erros no futuro. A empresa informou ainda que coopera totalmente com a SEC na investigação, que está em andamento.

A notícia da investigação gerou desconfiança dos investidores a respeito não só da contabilidade da Kraft Heinz, como dos procedimentos adotados em outras companhias controladas pela 3G Capital, como a AB InBev e Restaurant Brands International (dona de Burger King, Tim Hortons e Popeyes). Na sexta-feira, as ações da AB InBev em Bruxelas caíram 3,62%, para € 65,77. As ações da Restaurant Brands International caíram 1,99% em Nova York, para US$ 63,46.

Outra fonte de preocupação para analistas de mercado é a marca registrada da gestora 3G Capital, que controla a Kraft Heinz ao lado da Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett: o corte de custos. No balanço do quarto trimestre, a companhia informou que não atingiu o resultado esperado, em parte, porque não conseguiu cortar custos no nível planejado.

Para analistas que acompanham a Kraft Heinz, a companhia pode ter cortado demais os custos nos anos anteriores, o que levou a uma deterioração no valor de suas marcas.

O “inferno astral” da dona do molho de tomate Heinz e do creme de queijo Philadelphia levou um investidor a escrever no Seeking Alpha, site de recomendações de investimentos, que 3G e Buffett poderiam aproveitar o momento de baixa nas ações e fechar o capital da Kraft Heinz.

Uma reviravolta e tanto para uma companhia que tentou há dois anos comprar a Unilever por US$ 143 bilhões e não conseguiu. Paul Polman, o então CEO da Unilever, disse na ocasião que a cultura de corte de custos da Kraft Heinz poderia prejudicar as marcas da empresa, que é dona do sabão Omo, da margarina Becel, da maionese Hellman’s e do amaciante Comfort, entre outras.

Os analistas Ken Goldman e Thomas Palmer, do banco J.P. Morgan, observaram na sexta-feira que o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) das operações combinadas da Kraft e da Heinz em 2014 (antes da fusão) era de US$ 6,53 bilhões. Esse valor é até maior que o Ebitda estimado para 2019. A Kraft Heinz prevê para este ano um Ebitda entre US$ 6,3 bilhões e US$ 6,5 bilhões. Em 2018, o Ebitda foi de US$ 7,1 bilhões, com queda de 8,8% em relação a 2017.

“É mais justo perguntar se algum valor foi criado desde a fusão da Kraft Heinz. E vendo as lutas da Kraft Heinz e AB InBev nos últimos anos, é razoável questionar toda a estratégia do 3G. Há anos, investidores se perguntam se o modelo de corte de custos do 3G resultariam em erosão do valor da marca. A resposta veio ontem na forma de baixa contábil de US$ 15,4 bilhões”, disseram os analistas.

No terceiro trimestre, o presidente da Kraft Heinz, Bernardo Hees, havia dito que a companhia esperava para o último trimestre de 2018 crescimento no Ebitda e na margem Ebitda, obtido com o aumento no volume de vendas e economias de custos. Uma parte da meta foi cumprida. No quarto trimestre, houve aumento na receita líquida de 0,7%, para US$ 6,89 bilhões, com aumento de 4% no volume de vendas.

Mas o Ebitda caiu 13,9% no quarto trimestre, em relação a igual período de 2017, para US$ 1,70 bilhão. A queda, segundo a empresa, deveu-se a inflação mais alta que o esperado nos EUA, queda nos preços com a concorrência mais acirrada, custos mais altos de suprimentos e – curiosamente, em se tratando de uma empresa controlada pela 3G – dificuldades para reduzir custos. “A economia antecipada não se materializou, particularmente em nossa área de compras e, em menor escala, tivemos custos acima do esperado nas áreas de fabricação e logística”, disse o diretor financeiro da Kraft Heinz, David Knopf.

Hees reconheceu que a companhia enfrentou dificuldades para reduzir custos e melhorar a rentabilidade. “Não há dúvidas de que estamos desapontados com o fato de que a lucratividade não aumentou junto com o aumento do consumo, como previsto. Estávamos excessivamente otimistas em fornecer previsões de economia de custos que não se concretizaram até o fim do ano”, afirmou Hees.

O não cumprimento de metas não se limita ao quarto trimestre de 2018. Quando a Heinz anunciou a fusão com a Kraft Foods em 2015, em uma operação avaliada em US$ 21,4 bilhões, os controladores 3G e Berkshire previam ganhos de sinergia de US$ 1,5 bilhão por ano a partir de 2017. Esses ganhos viriam com cortes de custos, ganhos de escala e adoção de melhores práticas. Mas eles não se concretizaram. “Desde a fusão, o Ebitda ficou mais de US$ 1 bilhão abaixo do que realmente havíamos planejado. E dentro disso tivemos quase meio bilhão de dólares em custos que colocamos no negócio”, disse Knopf, ao comentar o balanço de 2018.

“O Ebitda da Kraft Heinz não cresceu nos últimos cinco anos, sua receita encolheu e seu balanço ficou alavancado. Isso não é um progresso ideal de métricas financeiras”, disseram os analistas do J.P. Morgan, que também criticaram a baixa contábil de grandes proporções anunciada pela companhia.

Na quinta-feira à noite, a Kraft Heinz informou uma baixa contábil de US$ 15,4 bilhões no seu balanço do quarto trimestre de 2018. O motivo: seu plano de corte de custos não produziu os resultados esperados e suas marcas perderam valor. A baixa contábil foi feita em duas de suas maiores marcas, Kraft e Oscar Mayer.

Esse valor supera as baixas combinadas de todo o setor de bens de consumo dos EUA nos últimos cinco anos, segundo a Duff & Phelps. A consultoria registra 78 baixas que totalizam US$ 9,6 bilhões, entre 2013 e 2017, em um setor no qual os “impairments” – operação contábil que reduz o valor de um ativo no balanço, quando ele está acima do preço de mercado – têm sido relativamente pequenos em relação a outros setores como os de energia e telecomunicações.

A Kraft Heinz reportou no quarto trimestre de 2018 um prejuízo de US$ 12,61 bilhões, ante um lucro de US$ 8 bilhões no mesmo intervalo de 2017. O prejuízo por ação foi de US$ 10,34. O resultado foi prejudicado pela baixa contábil. Excluindo esse efeito, o lucro seria de US$ 0,84 por ação.

A companhia anunciou que pretende vender marcas menos rentáveis, mas não deu detalhes sobre o assunto. E anunciou uma redução no dividendo para US$ 1,60 no ano, ante previsão anterior de US$ 2,50. O corte no dividendo foi considerada positiva por analistas do UBS porque a menor distribuição de ganhos melhoraria o caixa da companhia, ajudando na redução do endividamento. Em 2018, a dívida líquida correspondeu a 4,3 vezes o Ebitda da companhia. A meta da Kraft Heinz é reduzir esse índice para 3,0.

 

Fonte: Valor Econômico

Compartilhe:

Voltar